segunda-feira, 26 de julho de 2010

Claricices...


"Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece. E nem ao menos posso fazer o que uma menina semiparalítica fez em vingança: quebrar um jarro. Não sou semiparalítica. Embora alguma coisa em mim diga que somos semiparalíticos. E morre-se, sem ao menos uma explicação. E o pior - vive-se, sem ao menos uma explicação. E ter empregadas, chamemo-las de uma vez de criadas, é uma ofensa à humanidade. E ter a obrigação de ser o que se chama de apresentável me irrita. Por que não posso andar em trapos, como homens que às vezes vejo na rua com barba até o peito e uma bíblia na mão, esses deuses que fizeram da loucura um meio de entender? E por que, só porque eu escrevi, pensam que tenho que continuar a escrever? Avisei a meus filhos que amanheci em cólera, e que eles não ligassem. Mas eu quero ligar. Quereria fazer alguma coisa definitiva que rebentasse com o tendão tenso que sustenta meu coração."
C.Lispector

sábado, 24 de julho de 2010


É difícil descrever o que se passa em minha alma. Olho para o céu, vejo milhares de estrelas soltas pelo universo, enquanto eu permaneço preso a estas areias. Mas, embora meu corpo esteja aqui, um pouco de mim é capaz de viajar por este céu, e levar-me a mundos desconhecidos. Então, vejo que meus sonhos são tão reais e concretos como estas dunas, esta lua, estas coisas que me cercam. Meus sonhos permitem que eu crie e habite num reino mais poderoso que este império francês. Eles vão me ajudar a construir, o futuro, uma casa - porque a beleza das casas não reside no fato de que são feitas para abrigarem homens, mas na maneira em que são concebidas. No dia em que eu construir minha casa, quero que ela consiga dizer algo. Que ela seja um sinal, um símbolo. Deixarei que a casa de meus sonhos surja do meu interior, como a água surge da fonte, ou a lua do horizonte.

Exupéry
" ...minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz. Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

Um começo

Pra começar, uma palavra. Formam-se linhas e linhas, algumas embaraçadas, outras livres, soltas em diversas missões. É que na verdade, existem algumas que só fazem sentido se vistas de um outro ângulo.
Não sei o que estou dizendo, mas mesmo assim, sinto. Talvez seja o bastante, talvez não.
Na verdade isso aqui é um alívio, uma válvula de escape e ao mesmo tempo meu testamento. Não do que eu fiz, pode até ser, mas do que considero justo e saboroso de lembrar. Como minhas memórias tendem a escapar no tempo, aqui se encontrarão algumas delas ou simplesmente algo que eu queira deixar guardado. Só isso.